Rumo

É tempo, companheiro!
Caminhemos ...
Longe, a Terra chama por nós,
e ninguém resiste à voz
Da Terra ...


Nela,
O mesmo sol ardente nos queimou
a mesma lua triste nos acariciou,
e se tu és negro e eu sou branco,
a mesma Terra nos gerou!


Vamos, companheiro ...
É tempo


Que o meu coração
se abra à mágoa das tuas mágoas
e ao prazer dos teus prazeres
Irmão
Que as minhas mãos brancas se estendam
para estreitar com amor
as tuas longas mãos negras ...
E o meu suor
se junte ao teu suor,
quando rasgarmos os trilhos
de um mundo melhor!


Vamos!
que outro oceano nos inflama.. .
Ouves?
É a Terra que nos chama ...
É tempo, companheiro!
Caminhemos ...

Noite

Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares...,
perdidas em mistérios...
Há cantos de tungurúluas pelos ares!...
....................................................
onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros...
......................................................
Noites africanas tenebrosas...,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos...


E os meninos brancos cresceram,
e esqueceram
as histórias...


Por isso as noites são tristes...
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes... como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas...
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas...


É que os meninos brancos...,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas...


Os meninos-brancos... esqueceram!...

Testamento

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...


E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...


Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...


E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.


Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...


Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,


Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

Prelúdio

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...


Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.


Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...


Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...


Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...


Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...


Mãe-Negra não sabe nada...


Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...


Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...


Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...


Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.


É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada..

As belas meninas pardas

As belas meninas pardas
são belas como as demais.
Iguais por serem meninas,
pardas por serem iguais.


Olham com olhos no chão.
Falam com falas macias.
Não são alegres nem tristes.
São apenas como são
todos dos dias.


E as belas meninas pardas,
estudam muito, muitos anos.
Só estudam muito. Mais nada.
Que o resto, trás desenganos>>>


Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.


Nos passeios de domingo,
andam sempre bem trabajadas.
Direitinhas. Aprumdas.
Não conhecem o sabor que tem uma gargalhada
(Parece mal rir na rua!...)


E nunca viram a lua,
debruçada sobre o rio,
às duas da madrugada.


Sabem muito escolarmente.
Sabem pouco humanamente.


E desejam, sobretudo, um casamento decente...


O mais, são histórias perdidas...
Pois que importam outras vidas?...
outras raças?... , outros mundo?...
que importam outras meninas,
felizes, ou desgraçadas?!...


As belas meninas pardas,
dão boas mães de família,
e merecem ser estimadas...

Presença Africana

E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!...


- A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
nascendo dos abraços
das palmeiras...
A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...


Sim!, ainda sou a mesma.
- A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11...Rua 11...)
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos...


Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...


E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconseqüente...


Terra!
Minha, eternamente...
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente... mansamente!...
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!...

Rumo

Eh tempo companheiro!
Caminhemos...
Longe, a Terra chama por nos,
e ninguem resiste a' voz
da Terra...
Nela,
o mesmo sol ardente nos queimou
a mesma lua triste nos acariciou,
e se tu es negro,
e eu sou branca,
a mesma Terra nos gerou!
Vamos companheiro!
Eh tempo...
Que o meu coracao
se abra a' magoa das tuas maguas
e em prazer dos teus prazeres
irmao:
que as minhas maos brancas
se estendam
para estreitar com amor
as tuas longas maos negras...
E o meu suor,
quando rasgarmos os trilhos
de um mundo melhor.
Vamos!
que outro aceno nos inflama...
Ouves?
Eh a Terra que nos chama...
E eh tempo companheiro!
Caminhemos...